Festival decorre entre 17 de Fevereiro e 6 de Março
Pelo menos desde o longínquo ano de 1982, que os então espectadores do Fantasporto conhecem este pioneiro do cinema francês que, a par de Méliès, deu ao género fantástico uma dignidade que ele sempre teve, mas que poucas vezes lhe foi reconhecida. Falamos de Louis Feuillade, francês, realizador e criador dessa maravilhosa série chamada “Les Vampires” a par de uma outra, de seu nome “Fantomas”. É esse senhor que vai ser um dos homenageados da edição 21 do Festival Internacional de Cinema do Porto, Fantasporto’2001, que decorrerá entre 17 de Fevereiro e 6 de Março de 2000, em plena Capital Europeia da Cultura.
Seguramente que já ouviram falar, por certo, em filmes de sketches. Aquelas histórias, divididas em n capítulos, onde no fim de cada episódio o herói ficava envolto no maior dos perigos, apenas para se conseguir salvar da maneira mais heróica no início da parte seguinte.
Se exemplo brilhante existe desta tão particular estética do Cinema dos anos 10 e 20, então a produção Francesa Les Vampires é o filme que procuramos. E o seu realizador, Louis Feuillade, um nome a redescobrir urgentemente pelas novas gerações.
Homem dos 7 ofícios, herdeiro de vinhas e outras propriedades agrícolas, Feuillade cedo optou pela roda da fortuna e partiu em busca de outros horizontes. Admitido na Gaumont em 1905 como argumentista, Feuillade tornou-se rapidamente no director artístico de todas as produções da empresa. Realizador prolífico, escreveu mais de 800 argumentos e levou à tela cerca de 700 deles. Não parava!
Dirigiu a série Bébé (1910-13), a saga Bout-de-Zan (1912-16), ambas comédias para crianças, e atingiu o seu primeiro grande sucesso com Fantomas, série de 5 longas-metragens que relatava a caçada implacável do inspector Juve ao grande mestre do crime que deu nome à obra.
Mas a sua fama de realizador popular opunha-se às mentes intelectuais do seu tempo: Feuillade não foi propriamente um pioneiro (como os irmãos Lumière ou Georges Méliés), nem um realizador visionário como o seriam René Clair e Abel Gance na década seguinte. E explicava a sua concepção de Cinema da seguinte maneira: «Um filme não é um sermão, nem uma conferência, apenas um meio para entreter a mente e o espírito. A qualidade desse entretenimento será medida pelo interesse que conseguir despertar na multidão para a qual foi criado».
Quando a Gaumont embarcou na produção de longas-metragens em 1913, a carreira de Louis Feuillade deu um enorme salto. E transformou-o para a posteridade no «glorioso inventor» do filme de sketches na Europa. Les Vampires, produção que descreve as proezas de uma sociedade secreta de criminosos e da sua musa (Irma Vep), é hoje considerada a obra-prima do género, e foi rodada durante a I Guerra Mundial nas ruas cinzentas e vazias de uma Paris destroçada.
Com Les Vampires assistimos à metamorfose do Cinema de tradição literária, entremeado com a novela gótica Britânica e a ficção populista, onde as forças do Bem e do Mal estão num permanente conflito exorcizado pela narrativa. As paisagens de Feuillade funcionam como verdadeiros quadros animados. A estética desprezava os novos métodos de montagem que entretanto Griffith já introduzira no Cinema Americano, e mantinha-se fiel aos cortes francos de plano e aos close-ups como meio de acentuar o dramatismo das situações.
Quanto à intriga do filme, perseguições frenéticas nas estradas, personagens misteriosos e encapuçados que «chegam à acção» de carruagem ou comboio, ou duvidosos e maquiavélicos personagens Germânicos, faziam com que o público Francês se sentisse participante de algum exorcismo simbólico sobre a inimiga Alemanha. Ocultismo, hipnotismo e poderes paranormais preenchiam o resto do naipe de temas. A heroína Irma Vep é simultâneamente irreal e maravilhosa: ela persegue e atinge o amor, ao mesmo tempo que a sua libertação sexual confere ao filme um ligeiro toque de heresia. Embora saída da imaginação de Feuillade, ela tornou-se parte da mitologia colectiva do seu tempo e abriu, ao espectador em geral como ao seu eterno apaixonado Philippe Guérande, as portas do desconhecido no Cinema.
No primeiro episódio, vemos um vampiro que sai por uma janela, rasteja pelos telhados e desce pelos canos de um algeroz. Imediatamente comprendemos que as portas pouco mais são que ornamentos. O herói Guérande passa a maior parte da sua vida a perseguir a elusiva Irma Vep, mas acaba por sucumbir aos seus encantos. Neste universo de aparências, a narrativa de Feuillade raramente encontra relações de causa-efeito que possam ter a ver com lógica, mais parecendo espirais que não poucas vezes se tornam autênticos labirintos. Os rituais sociais são subvertidos: os criados são falsos, as bebidas envenenadas, as janelas seladas e os quartos transformam-se em câmaras de gás. Há sociedades secretas e muitos planos criminosos tecidos a coberto da escuridão.
É este o Mundo destes vampiros, poucas vezes re-exibidos pelo Mundo fora ao longo do século XX, e apenas reabilitados pela Cinemateca Francesa dos anos 40, graças aos esforços de Henri Langlois e Georges Sadoul. Louis Feuillade, o seu «pai», enriqueceu o imaginário colectivo dos Franceses com o fascínio e os poderes mágicos que emanavam dos seus filmes de sketches. Através dos tempos, Les Vampires preserva toda a frescura e emoção da época e das contingências em que foi rodado. Depois de uma passagem pelo Fantasporto’82 e pela Cinemateca Portuguesa, cabe agora aos novos espectadores do Fantasporto descobri-lo.
A não perder, sob nenhum pretexto!